Cada classe de medicamentos tem características próprias e responde de forma diferente, por isso a prescrição médica é fundamental
Nos últimos anos, o uso de medicamentos voltados ao emagrecimento tem ganhado notoriedade após a descoberta de que uma classe de fármacos, originariamente concebida para controlar a diabetes tipo 2, pode levar a uma perda de peso intensa, próxima a obtida com a cirurgia bariátrica. As canetas injetáveis, forma como esses remédios se apresentam, viraram febre.
Mas a revolução que marca os tratamentos para sobrepeso começou bem antes, quando a obesidade, até então vista apenas como um acúmulo de gordura, passou a ser entendida como doença.
O que é a obesidade
Estudos comprovam que a obesidade é um problema metabólico caracterizado pelo mau funcionamento do tecido adiposo, afetando também órgãos como cérebro, fígado, pâncreas e músculos.
Esse desequilíbrio compromete a saúde em geral, reduzindo a expectativa de vida e a qualidade funcional do organismo. É fator de risco para problemas cardiovasculares, diabetes, hipertensão e alguns tipos de câncer.
Cenário epidêmico
Apesar do alerta da ciência sobre as consequências da doença, o aumento do número de obesos segue crescendo a cada ano, a ponto de se tornar um problema de saúde pública. No Brasil, o excesso de peso (que compreende o sobrepeso e a obesidade) tem aumentado em todas as faixas etárias.
De acordo com o Ministério da Saúde, atualmente mais da metade dos adultos brasileiros apresenta excesso de peso (60,3%,), com prevalência maior no público feminino (62,6%).
O diagnóstico da obesidade é feito quando o Índice de Massa Corporal (IMC) é igual ou superior a 30 kg/m². Valores entre 25 e 29,9 kg/m² indicam sobrepeso. O cálculo do IMC é feito dividindo o peso pela altura ao quadrado. |
Resposta da ciência
Diante de tal cenário, a indústria farmacêutica se viu motivada a pesquisar opções para tratar o problema. A resposta veio com a ampliação da gama de medicamentos voltados ao emagrecimento e o surgimento de uma nova geração de fármacos com resultados promissores.
No entanto, como qualquer remédio, essas drogas não estão livres de efeitos colaterais e não são indicadas para qualquer pessoa. O uso indiscriminado pode trazer consequências graves e cabe ao médico decidir qual a melhor opção após uma criteriosa avaliação clínica. As classes de medicamentos têm características próprias e respondem de forma diferente em cada paciente. Para quem precisa emagrecer, as dúvidas são muitas.
OPÇÕES REGULAMENTADAS PELA ANVISA
Atualmente, estão liberados para o tratamento da obesidade os seguintes produtos:
BUPROPIONA + NALTREXONA
A combinação dessas duas substâncias ativas, aprovada pela ANVISA em 2021, tem uma ação sinérgica, ou seja, a bupropiona e naltrexona trabalham juntas para que a perda de peso aconteça.
Como age a bupropiona associada à naltrexona?
O medicamento atua nas zonas do cérebro envolvidas no controle da ingestão de alimentos e consumo de energia. A naltrexona atua no sistema nervoso central, bloqueando os receptores opioides e reduzindo os efeitos da compulsão e busca por recompensas alimentares. Já a bupropiona aumenta a disponibilidade de dopamina e noradrenalina, o que pode ajudar no controle do apetite. O medicamento reduz a fome no hipotálamo e regula os desejos alimentares no sistema límbico. Deve ser usado com uma dieta de baixo teor calórico e aumento da atividade física.
Quem não deve usar o medicamento?
A bupropiona pode aumentar os pensamentos ou ações suicidas nos primeiros meses de uso. Pacientes com depressão ou outras doenças mentais podem ter uma piora no quadro de saúde mental. Além disso, não devem usar o medicamento pacientes com as seguintes condições clínicas:
− Alergia à naltrexona ou bupropiona ou a qualquer um dos ingredientes do medicamento;
− Anorexia ou bulimia;
− Convulsões;
− Distúrbio bipolar;
− Doença de fígado grave;
− Doença de rins em fase terminal;
− Hipertensão não controlada;
− Mulheres grávidas ou que planejam engravidar;
− Pacientes dependentes de medicamentos para a dor à base de opioides ou medicamentos para ajudar a parar de tomar opioides, como metadona ou buprenorfina, além de pacientes em abstinência de opioides
− Pacientes que bebem muito álcool e param de beber abruptamente, ou usam medicamentos sedativos, benzodiazepínicos ou anticonvulsivantes e param de usá-los repentinamente;
− Pacientes que fazem uso de inibidores da monoaminoxidase (IMAOs);
− Pacientes com tumor cerebral;
− Uso de outros medicamentos que contenham bupropiona ou naltrexona.
LIRAGLUTIDA
Registrada no início de 2016 como substância antidiabética injetável, a liraglutida atua especificamente sobre a liberação da insulina, hormônio que regula os níveis de açúcar no sangue.
Como age a liraglutida?
Sua ação começa no estômago, diminuindo a velocidade do esvaziamento gástrico. Depois de algumas semanas, passa a atuar diretamente no cérebro. Ela estimula a secreção de insulina e inibe a secreção de outro hormônio, o glucagon, causando saciedade e inibindo a fome, o que leva ao emagrecimento.
Quem não deve usar liraglutida?
Este medicamento não pode ser utilizado durante a gravidez e precisa de cautela na prescrição a pessoas com insuficiência renal ou hepática. Pacientes com doença inflamatória intestinal ou com distúrbios na tireoide também não são indicados para o tratamento com liraglutida, nem pessoas alérgicas à substância.
ORLISTATE
Chegou ao Brasil no final dos anos 90. Hoje, possui 22 registros diferentes em comercialização.
Como age o orlistate?
O remédio age exclusivamente no intestino, bloqueando a absorção de cerca de 30% da gordura presente na dieta, que é então eliminada pelas fezes. O orlistate inibe a enzima lipase, liberada pelo pâncreas e responsável pela quebra da gordura ingerida.
O orlistate melhora os fatores de risco associados ao excesso de peso, como hipercolesterolemia (colesterol alto no sangue), intolerância à glicose (“pré-diabetes”), diabetes do tipo 2, hiperinsulinemia, (insulina alta no sangue) hipertensão arterial, e promove também a redução da gordura visceral (localizada entre os órgãos abdominais). Pode ser utilizado para o tratamento de pacientes com diabetes tipo 2 com sobrepeso ou obesidade. Em conjunto com uma dieta de baixa caloria e medicamentos antidiabéticos orais e/ou insulina, promove o controle adicional do açúcar no sangue.
Seu efeito pode ser verificado em até 48 horas após a administração. A perda de peso e os benefícios decorrentes do uso da substância começam, geralmente, dentro das primeiras duas semanas de tratamento.
Quem não deve usar o orlistate?
Esse medicamento é contraindicado a pacientes com síndrome da má absorção crônica, colestase (redução do fluxo biliar) ou hipersensibilidade conhecida a qualquer um dos componentes de sua formulação.
SEMAGLUTIDA
A semaglutida imita o GLP-1 – hormônio produzido pelo intestino delgado em resposta à ingestão de alimentos. Originalmente usado para tratar diabetes, o medicamento foi aprovado pela Anvisa especificamente para combater a obesidade apenas em 2023, e se apresenta na forma de caneta que, pressionada contra a pele, aplica a substância de forma subcutânea. A dosagem é maior do que a utilizada para o controle da diabetes.
Como age a semaglutida?
A substância tem um potencial terapêutico único para perda e manutenção do peso devido a seus efeitos combinados não apenas sobre o peso corporal, mas também sobre o metabolismo da glicose e outras comorbidades relacionadas ao peso.
Quando o paciente se alimenta, a semaglutida “engana” o corpo promovendo uma sensação de saciedade precoce. É como se ela avisasse ao cérebro que é hora de reduzir a fome, contribuindo para que o indivíduo diminua a ingestão calórica. Ela também estimula a produção de insulina pelo pâncreas, reduzindo os níveis de açúcar no sangue.
A semaglutida foi desenvolvida para ter uma taxa de eliminação baixa e, consequentemente, uma meia-vida de eliminação longa, tornando o composto adequado para administração uma vez por semana. É usada para perda e manutenção de peso, associado à dieta e exercício físico, em adultos que apresentam obesidade ou sobrepeso e problemas de saúde relacionados ao peso, como diabetes, hipertensão, níveis anormais de gordura no sangue, problema respiratório durante o sono chamado de “apneia obstrutiva do sono” ou histórico de ataque cardíaco, derrame ou problemas nos vasos sanguíneos.
Quem não deve usar a semaglutida?
Esse remédio é contraindicado para alérgicos à semaglutida, mulheres grávidas ou que estejam amamentando, e pessoas com tumores em glândulas ou com histórico pessoal e familiar de câncer na tireoide.
SIBUTRAMINA
É o emagrecedor com registro válido mais antigo no Brasil. Foi inscrito em março de 1998. Atualmente, 8 fabricantes têm registros ativos para produção no país.
Como age a sibutramina?
O medicamentoage diretamente no cérebro. Ele aumenta dois principais neurotransmissores, a serotonina e a noradrenalina, que regulam o apetite e a saciedade. Costuma ser utilizado como primeiro tratamento em pessoas com obesidade.
O cloridrato de sibutramina monoidratado é de uso oral e leva à perda de peso por meio de um duplo mecanismo: redução da ingestão de alimentos pelo aumento da saciedade e diminuição da fome, e prevenção do declínio do gasto energético que segue a perda de peso.
O cloridrato de sibutramina monoidratado é usado como parte de um programa de perda de peso, supervisionado por um médico, que deve incluir uma dieta com redução de calorias e atividade física apropriada. Cada pessoa responde diferentemente ao tratamento, por isso o médico precisa ser notificado no caso de variações das respostas iniciais esperadas, para que possa reavaliar a situação. Ele pode, por exemplo, indicar um aumento ou uma redução na dose de cloridrato de sibutramina monoidratado, conforme a necessidade.
O medicamento pode ser detectado no sangue em concentração máxima após 3 horas da sua administração. Depois de 14 a 16 horas, apenas 50% da dose absorvida é detectada. O tempo estimado para início do efeito é de no mínimo 15 dias, podendo haver variações individuais.
Quem não deve usar a sibutramina?
O cloridrato de sibutramina monoidratado é contraindicado para uso por:
− Pacientes com histórico de diabetes mellitus tipo 2 com pelo menos um outro fator de risco, isto é, hipertensão controlada por medicação, aumento dos níveis de colesterol e/ou triglicérides, prática atual do tabagismo ou nefropatia diabética com evidência de microalbuminúria (perda anormal de proteína pelos rins).
− Pacientes com histórico de doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca congestiva, taquicardia, doença arterial obstrutiva periférica, arritmia ou doença cerebrovascular.
− Pacientes com histórico ou presença de transtornos alimentares, como bulimia e anorexia.
− Pacientes recebendo outros medicamentos de ação central para a redução de peso ou tratamento de transtornos psiquiátricos.
− Pacientes recebendo inibidores da monoaminoxidase. É recomendado um intervalo de pelo menos duas semanas após a interrupção dos IMAOs antes de iniciar o tratamento com sibutramina.
− Pacientes com índice de massa corpórea (IMC) menor que 30 kg/m2.
TIRZEPATIDA
É a substância com registro na Anvisa mais recente (setembro de 2023) e faz parte da nova geração de remédios aplicados via caneta injetável. A tirzepatida é o primeiro medicamento que simula a ação de dois hormônios secretados pelo intestino, o GLP-1 e do GIP, responsáveis pelo controle da glicose e promoção da saciedade. As reações adversas mais comuns estão relacionadas à tolerabilidade gastrointestinal e diminuição do apetite. Na dose mais alta, de 15 mg, 6,6% dos pacientes descontinuaram o tratamento devido a eventos adversos gastrointestinais. Essas reações são facilmente identificáveis e os podem optar por descontinuar a terapia sem danos residuais.
Como age a tirzepatida?
Ao imitar os hormônios liberados pelo intestino após as refeições, a substância retarda o esvaziamento gástrico, diminuindo a fome, e aumenta a sensação de saciedade mesmo com restrição na ingestão de alimentos, favorecendo a perda de peso. A tirzepatida também melhora o controle da glicemia (açúcar no sangue) e a sensibilidade à insulina.
Quem não deve usar a tirzepatida?
O remédio não é recomendado para alérgicos à substância e pacientes com histórico pessoal ou familiar de câncer na tireoide e tumores em glândulas endócrinas. Pessoas com problemas renais, pancreáticos e gástricos graves precisam de avaliação médica cuidadosa antes de iniciar o tratamento.
Abordagem de longo prazo
Assim como doenças crônicas como hipertensão e diabetes, a obesidade exige um tratamento duradouro. A escolha do medicamento precisa ser feita por um profissional de saúde, levando em consideração as condições individuais de cada paciente. Além disso, a utilização de medicamentos para emagrecimento deve ser combinada com hábitos de vida saudáveis, como alimentação equilibrada e atividade física regular. A perda de peso obtida com o tratamento farmacológico é apenas uma das várias estratégias que precisam ser adotadas para garantir um equilíbrio permanente, que resulte em saúde e qualidade de vida.
Informações mais detalhadas sobre cada classe de medicamentos para emagrecer podem ser encontradas no bulário eletrônico dos medicamentos.
Fontes:
https://www.endocrino.org.br/10-coisas-que-voce-precisa-saber-sobre-obesidade/