VIDE BULA – Mitos e Verdades da Indústria Farmacêutica

Por Lauro D. Moretto* e Acácio Alves de S. Lima Filho*


O conhecimento sobre drogas, remédios, fármacos e medicamentos remonta a milênios. No início, os insumos ativos eram conhecidos como drogas, e os produtos, como remédios. As drogas passaram gradualmente a ser denominadas substâncias ativas ou princípios ativos. Muito tempo depois, há poucas décadas, viraram fármacos. Hoje, são conhecidos como insumos farmacêuticos ativos, representados pela sigla IFA.

Já as composições medicamentosas, antes chamadas de remédios, evoluíram para medicamentos. E essa progressão está ligada a três nítidas eras da história da farmacologia: a Farmácia do Passado, a Farmácia Científica e, mais recentemente, as Ciências Farmacêuticas.


Farmácia do Passado

Durante muito tempo, o termo farmácia teve um significado simples, relacionado a drogas e remédios diretamente atrelados à medicina. Nos últimos 150 anos, o conhecimento dessas substâncias progrediu de forma ampla, interligando diferentes áreas, mas sempre vinculadas à saúde.

Nesta fase, as principais atividades terapêuticas eram caracterizadas pelo uso de produtos vegetais, minerais e animais. Foram cerca de 4 mil anos tratando as doenças com formulados naturais, criados a partir de componentes simples, e tendo mel, vinho ou gorduras animais como diluentes.

Embora em uso até os dias atuais – com formulações e tecnologias modernas bem definidas pela regulamentação vigente –, os produtos naturais foram, com o tempo, evoluindo para recursos terapêuticos obtidos a partir de produtos químicos ou biológicos purificados e biotecnológicos.

Esses compostos purificados de produtos naturais por síntese química, como a do ácido acetil salicílico, ou por processos biológicos fermentativos, entre os quais o da penicilina, deram início a uma nova era.


Farmácia Científica

O século XIX trouxe uma importante mudança. O ensino farmacêutico foi desvinculado da medicina. Até então, o curso de farmácia era uma especialidade médica, tal qual os de cirurgia e de clínica. No Brasil, em 1839, foi criada a Escola de Farmácia de Ouro Preto, em Minas Gerais.

A separação abriu um grande espaço para o avanço da própria medicina. Os tratamentos realizados com compostos quimicamente definidos, inicialmente designados como quimioterapia, ou seja, terapia realizada com compostos químicos obtidos por síntese química ou por fermentação, ou ainda purificados de minerais, de extratos de órgãos de animais ou de vegetais, promoveram uma revolução no controle de doenças.

Atualmente, o termo quimioterapia é utilizado apenas para se referir à terapia oncológica com produtos químicos, para se diferenciar dos tratamentos radioterápicos. No entanto, os conhecimentos adquiridos com a prospecção de novos insumos e a produção em escala industrial, utilizando os processos unitários de química na terapêutica humana, alteraram significantemente a visão que forjou as novas instituições de ensino de medicina, farmácia, química e física.


Motores da evolução

Instituído em 1920, o Conselho Científico da Associação Brasileira de Farmacêuticos, embrião da Academia Nacional de Farmácia (atual Academia de Ciências Farmacêuticas do Brasil), era composto por quatro seções: a de Ciências Naturais, de Ciências Físicas e Químicas, de Biologia e de Farmácia. Naquele período, essas eram as fontes de insumos para a elaboração de remédios utilizados na terapêutica.

O conhecimento dos processos químicos foi gradual e intenso, prevendo-se, já naquela época, que seriam potencializados com inúmeros novos compostos. Em 1937, a medalha da Academia Nacional de Farmácia trazia a frase “somente a farmácia científica sobreviverá”, pressupondo resultados promissores e estimulando os cientistas a se engajarem na prospecção de novos fármacos mediante o uso dos processos unitários químicos.

Entre 1945 e 1960, inúmeros fármacos, rapidamente incorporados na terapêutica humana, foram concebidos e desenvolvidos, impactando sobremaneira o controle das doenças. Esse período foi tão importante que ficou conhecido como Idade Dourada das Descobertas. Entre as mais destacadas criações deste período estão os antibióticos, as sulfas, os esteroides, os anti-inflamatórios, entre outros.

Mais do que isso, passou-se a entender em detalhes o modo de ação dos novos fármacos, os grupamentos ativos das substâncias, possibilitando a síntese em escala nunca imaginada de substâncias para avaliação farmacológica e toxicológica.

Foram também desenvolvidas novas formas farmacêuticas, possibilitando levar o princípio ativo ao local de ação, como no caso dos aerossóis antiasmáticos, além de conceber formulações com liberação controlada, dentre muitas outras inovações.

Entre os reflexos desta era encontram-se nomes de escolas e faculdades combinando farmácia e química em todo o mundo ocidental. Como consequência, surgiram compêndios específicos para o ensino de química farmacêutica, entre os quais se destaca, no Brasil, o livro pioneiro do prof. Quintino Mingoia.


Conhecimento que mudou tudo

Estatísticas demonstram que os índices de mortes por doenças prevalentes em 1900 – influenza, pneumonia, tuberculose, diarreia, bronquite, difteria, entre outras – sofreram significativa redução entre 1920 e 1940, em decorrência da introdução de fármacos obtidos por síntese química.

No período da Idade Dourada das Descobertas, as melhorias foram evidentes, com a drástica redução dos índices de mortalidade infantil e por doenças infecciosas, além do aumento expressivo da expectativa de vida. Gradualmente, com o uso de fármacos obtidos por síntese química, a expectativa de vida aumentou significativamente até 1970.

O gráfico abaixo registra a evolução da expectativa de vida média entre homens e mulheres, mostrando a evolução no período.


Ciências Farmacêuticas

Em 1970, o Conselho Científico da Federação Internacional Farmacêutica (FIP) decidiu adotar nova denominação para melhor caracterizá-lo: Conselho de Ciências Farmacêuticas (Board of Pharmaceutical Sciences). Em decorrência deste neologismo, várias faculdades passaram a usar a expressão em seus nomes, como a Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, entre muitas outras. Estava caracterizada uma nova era.

No período, os conhecimentos da biologia passaram por sequenciais processos evolutivos, dando origem à biotecnologia e biotecnologia com DNA recombinante. A obtenção e produção da insulina humana foi a primeira e mais importante descoberta da época.

Sequencialmente, um espetacular crescimento de insumos oriundos do cultivo de células deu origem aos anticorpos monoclonais e outros produtos biotecnológicos, contribuindo para o tratamento de enfermidades que desafiavam os pesquisadores e a classe médica, uma vez que os fármacos de síntese ou mesmo aqueles obtidos por processos fermentativos não atendiam às necessidades.


O poder dos imunizantes

Ainda no campo dos produtos biológicos e biotecnológicos, as pesquisas com vacinas representaram, certamente, as maiores conquistas do período das ciências farmacêuticas, a partir dos anos 1960.

Os conhecimentos adquiridos com imunizantes contra a varíola, febre amarela, coqueluche, raiva e tétano, no início do século XX, foram ampliados em vacinas utilizadas na prevenção da poliomielite, influenza, HPV, H1N1, hepatite, entre outras e, muito especialmente, na pandemia de Covid-19.

A tabela abaixo registra a cronologia dos fatos relevantes do processo evolutivo da Farmácia do Passado para a Farmácia Científica e para as Ciências Farmacêuticas.


Segurança e qualidade

Vários movimentos estabeleceram o conceito que se entende hoje por Ciências Farmacêuticas: a crescente evolução das metodologias analíticas para caracterizar e controlar os insumos ativos, veículos e excipientes utilizados em formulações; a definição de requisitos tecnológicos indispensáveis aos processos produtivos de insumos e medicamentos, contidos nas Boas Práticas de Laboratório e Boas Práticas de Fabricação; e a implementação dos critérios para avaliação da eficácia, segurança, qualidade e uso racional dos medicamentos.

Essas condutas dão suporte hoje à prospecção, concepção de insumos, desenvolvimento clínico e tecnológico, produção e controle de fármacos e medicamentos. Soma-se a isso a preocupação com o uso de medicamentos, um dos mais relevantes campos, que é o da Farmácia Clínica. 

Toda essa evolução nos permite hoje viver muito mais do que no passado e prever um futuro revolucionário, impulsionado por uma compreensão ainda mais profunda da atuação dos compostos químicos no corpo humano.


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